Cores ao Avesso
Pela desuniformidade das cores
Manifesto
Diante da imensidão de corpos, co-existimos concomitantemente nesta mesma imensidão, respiramos e caminhamos tais e iguais a todos e a todas.
Diante da cartografia dos corpos e desejos que se instalam no espaço, destes mesmos corpos que caminham iguais, há um consenso de não individualidades.
Onde as individualidade são anuladas, em sua maioria pelos próprios sujeitos.
Buscando uma uniformidade, ou talvez um consenso, um comportamento ditado e rotinado.
Um comportamento justificado e aceitável.
Em antagonismo a estes, há corpos gritantes, querendo riscar o espaço.
Desenhando suas individualidades em seus corpos e nos corpos da cidade.
Objetivos do projeto:
Utilizei como material para a composição de uma partitura de dança os gestos rotineiros dos personagens da cidade. Esta dança tem a colaboração de imagens em vídeo projetadas, estas sendo imagens da cidade, imagens que buscam descaracterizar essa cotidianidade do gestual e da imagem, desconfigurando e descontextualizando ela. Utilizando de objetos do nosso dia-a-dia, descaracterizando os objetos em suas delimitações, retirando disso uma não forma e apenas cor.
Na dança sua movimentação e a qualidade dos movimentos, parte de suas intenções, intenções que são retirados da observação do que provém das rua. A repetição do gestual cotidiano, transformados em dança.
Enfatizo de forma mais direta no condicionamento deste gestual das massas questionando porque ele ocorre dessa forma.
Discurso do projeto:
Dentro do comportamento comum as massas, do comportamento massificado há as válvulas de escape. E quais são elas? Há certos comportamentos que podemos encontrar em qualquer quadro do espaço urbano, comportamentos que se repetem e são condicionados. Estes eu poderia denominar como comportamentos de massa. Utilizando mais especificamente o espaço do centro de Florianópolis, posso me referir ao centro como apenas um lugar comercial e de passagem, onde se há poucos “lugares” de permanência e criação de afetividades. Muitos lugares acabam se caracterizado como apenas lugar de passagem e comercio. A rua felipe schmidt; o terminal central da cidade, são espaços onde diariamente funcionam como um lugar de transição. Mas mesmo dentro desta forte característica, encontramos válvulas de escape, como por exemplo, os senhores que jogam cartas e xadrez nas mesinhas da felipe schmidt, o chafariz que havia no terminal, onde os jovens o utilizavam ele como ponto de encontro para apenas estar e sociabilizar. Dentro da urbe, acaba por não se conhecer os sujeitos que coabitam este lugar. Apesar desta inclinação a relações mais efêmeras, há também dentro disso tudo as relações de vínculo, tanto dos senhores que se encontrar semanalmente, quanto os jovens.
Dentro destas estruturas fixas e rígidas do corpo e do pensamento, é onde concentra-se a minha pesquisa. Há as porosidades, há o que eu pretendo chamar de uma desuniformação das cores. Há esses espaços/ encontros/ relações/olhares onde criamos pequenas micro corrosões, onde pigmentamos a cidade como que numa sede de existir e viver a própria individualidade que é aniquilada no comportamento de massas.
Vivenciar a minha própria experiência da cidade, minha própria relação do meu corpo com o corpo da cidade.
Numa tentativa diante destas formas rígidas, buscar desconfigura-las. Num processo do gesto(dança) e do olhar(percepção).
Lugares e não lugares, o que se caracteriza como um não lugar? Marc Augé utiliza de três características para identificar um lugar, que seriam as questões identitárias, relacionais e históricas.
Michel de Certeau, vai se referir a coletividade como um lugar social que induz a um comportamento prático, sugere que o corpo é o suporte primeiro, fundamental, da mensagem social proferida, mesmo sem o sujeito saber disso. De que o corpo é o suporte de todas as mensagens gestuais. De que o corpo, na rua, vem acompanhado de várias representações do corpo, cujo código já é conhecido. De que a conveniência fará o papel de mediar a forma de comportamento social. A conveniência irá fazer o papel de uma espécie de manual do corpo comportamental. De agir em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, fazer fila no mercado. A conveniência toma o lugar da lei. Ela reprime o que “não convém”, “o que não se faz”. Ela quer que se evite toda a dissonância de comportamentos. Por isso é que ela produz comportamentos sociais estereotipados. A atitude do transeunte deve transmitir o mínimo de informação possível, manifestar o mínimo possível de desvio em relação aos estereótipos. E deve afirmar a uniformização dos comportamentos. A conveniência influenciará na taxa de indiferenciação na manifestação corporal das atitudes. Fala que a tagarelice é que fará o policiamento da conveniência.
As atitudes condicionadas que temos, essa uniformidade do âmbito comportamental, de como caminhamos; sentamos; como comemos civilizadamente com os garfos. De como nos comportamos no âmbito social, de como nos locomovemos de um lugar ao outro em trajetos lineares. De como não consegue-se brincar com esta trajetória, com este sentar-se, ou comer. O gestual é estabelecido e reproduzido, como uma segregação em massa de comportamentos
O lugar de certa forma irá determinar o tipo de comportamento que irá se representar nele. Cada lugar já possuí seus códigos, já estabelecidos de um comportamento gestual, tanto em âmbito privado ou público. As regras não precisam ser ditas, elas já estão sistematizadas a tal ponto que já se tornaram naturalizadas.
Nesta denominação de “lugares” e “não lugares” posso me referir que a noção de “lugar” vai da relação que a pessoa possui com o espaço, se ela cria ou não vínculos. O local de vínculo familiar pode parecer o espaço onde eu consigo permeabilizar facilmente minhas individualidades e liberdades de comportamento. É onde teoricamente eu conseguiria me expressar segundo meus sentidos, onde supostamente não teria essa tagalerice que M. Certeau se refere, que se torna um mediador da conveniência. Mas não necessariamente no lugar onde há vínculos construídos, se encontra essa brecha, essa ruptura e porosidade ao qual eu procuro. Nesses locais, podendo se dar de forma totalmente oposta. O espaço da rua pode ser muito mais transgressor nesse sentido. Como também pode não ser.
Pina Bausch em seus trabalhos colocava o foco no movimento dos pedestres, observando as relações humanas básicas, utilizando do vocabulário de movimento cotidiano. Usará como forma de contestação de uma artificialidade representacional no palco.
Aqui utilizarei o gesto cotidiano também como forma de contestação de uma artificialidade, essa artificialidade que se apresenta na representação do sujeito no cotidiano. Diante de seus papeis sociais, da representação que ele faz socialmente, desse papel que o sujeito o próprio incorporou. De que o corpo é a matriz de significados, e ele sempre representará algo. E sempre se esperará que o sujeito cumpra o que lhe é designado.