sábado, 16 de abril de 2016

Cores ao Avesso

Cores ao Avesso
         Pela desuniformidade das cores


Manifesto
Diante da imensidão de corpos, co-existimos concomitantemente nesta mesma imensidão, respiramos e caminhamos tais e iguais a todos e a todas.
Diante da cartografia dos corpos e desejos que se instalam no espaço, destes mesmos corpos que caminham iguais, há um consenso de não individualidades.
Onde as individualidade são anuladas, em sua maioria pelos próprios sujeitos.
Buscando uma uniformidade, ou talvez um consenso, um comportamento ditado e rotinado.
Um comportamento justificado e aceitável.
Em antagonismo a estes, há corpos gritantes, querendo riscar o espaço.
Desenhando suas individualidades em seus corpos e nos corpos da cidade.


Objetivos do projeto:
Utilizei como material para a composição de uma partitura de dança os gestos rotineiros dos personagens da cidade. Esta dança tem a colaboração de imagens em vídeo projetadas, estas sendo imagens da cidade, imagens que buscam descaracterizar essa cotidianidade do gestual e da imagem, desconfigurando e descontextualizando ela. Utilizando de objetos do nosso dia-a-dia, descaracterizando os objetos em suas delimitações, retirando disso uma não forma e apenas cor.
Na dança sua movimentação e a qualidade dos movimentos, parte de suas intenções, intenções que são retirados da observação do que provém das rua. A repetição do gestual cotidiano, transformados em dança.
Enfatizo de forma mais direta no condicionamento deste gestual das massas questionando porque ele ocorre dessa forma.


Discurso do projeto:
Dentro do comportamento comum as massas, do comportamento massificado há as válvulas de escape. E quais são elas? Há certos comportamentos que podemos encontrar em qualquer quadro do espaço urbano, comportamentos que se repetem e são condicionados. Estes eu poderia denominar como comportamentos de massa. Utilizando mais especificamente o espaço do centro de Florianópolis, posso me referir ao centro como apenas um lugar comercial e de passagem, onde se há poucos “lugares” de permanência e criação de afetividades. Muitos lugares acabam se caracterizado como apenas lugar de passagem e comercio. A rua felipe schmidt; o terminal central da cidade, são espaços onde diariamente funcionam como um lugar de transição. Mas mesmo dentro desta forte característica, encontramos válvulas de escape, como por exemplo, os senhores que jogam cartas e xadrez nas mesinhas da felipe schmidt, o chafariz que havia no terminal, onde os jovens o utilizavam ele como ponto de encontro para apenas estar e sociabilizar. Dentro da urbe, acaba por não se conhecer os sujeitos que coabitam este lugar. Apesar desta inclinação a relações mais efêmeras, há também dentro disso tudo as relações de vínculo, tanto dos senhores que se encontrar semanalmente, quanto os jovens.     
          Dentro destas estruturas fixas e rígidas do corpo e do pensamento, é onde concentra-se a minha pesquisa. Há as porosidades, há o que eu pretendo chamar de uma desuniformação das cores. Há esses espaços/ encontros/ relações/olhares onde criamos pequenas micro corrosões, onde pigmentamos a cidade como que numa sede de existir e viver a própria individualidade que é aniquilada no comportamento de massas.   
Vivenciar a minha própria experiência da cidade, minha própria relação do meu corpo com o corpo da cidade.
Numa tentativa diante destas formas rígidas, buscar desconfigura-las. Num processo do gesto(dança) e do olhar(percepção).
Lugares e não lugares, o que se caracteriza como um não lugar? Marc Augé utiliza de três características para identificar um lugar, que seriam as questões identitárias, relacionais e históricas.
Michel de Certeau, vai se referir a coletividade como um lugar social que induz a um comportamento prático, sugere que o corpo é o suporte primeiro, fundamental, da mensagem social proferida, mesmo sem o sujeito saber disso. De que o corpo é o suporte de todas as mensagens gestuais. De que o corpo, na rua, vem acompanhado de várias representações do corpo, cujo código já é conhecido. De que a conveniência fará o papel de mediar a forma de comportamento social. A conveniência irá fazer o papel de uma espécie de manual do corpo comportamental. De agir em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, fazer fila no mercado.  A conveniência toma o lugar da lei. Ela reprime o que “não convém”, “o que não se faz”. Ela quer que se evite toda a dissonância de comportamentos. Por isso é que ela produz comportamentos sociais estereotipados. A atitude do transeunte deve transmitir o mínimo de informação possível, manifestar o mínimo possível de desvio em relação aos estereótipos. E deve afirmar a uniformização dos comportamentos. A conveniência influenciará na taxa de indiferenciação na manifestação corporal das atitudes. Fala que a tagarelice é que fará o policiamento da conveniência.    
As atitudes condicionadas que temos, essa uniformidade do âmbito comportamental, de como caminhamos; sentamos; como comemos civilizadamente com os garfos. De como nos comportamos no âmbito social, de como nos locomovemos de um lugar ao outro em trajetos lineares. De como não consegue-se brincar com esta trajetória, com este sentar-se, ou comer. O gestual é estabelecido e reproduzido, como uma segregação em massa de comportamentos   
O lugar de certa forma irá determinar o tipo de comportamento que irá se representar nele. Cada lugar já possuí seus códigos, já estabelecidos de um comportamento gestual, tanto em âmbito privado ou público. As regras não precisam ser ditas, elas já estão sistematizadas a tal ponto que já se tornaram naturalizadas.
Nesta denominação de “lugares” e “não lugares” posso me referir que a noção de “lugar” vai da relação que a pessoa possui com o espaço, se ela cria ou não vínculos.  O local de vínculo familiar pode parecer o espaço onde eu consigo permeabilizar facilmente minhas individualidades e liberdades de comportamento. É onde teoricamente eu conseguiria me expressar segundo meus sentidos, onde supostamente não teria essa tagalerice que M. Certeau se refere, que se torna um mediador da conveniência. Mas não necessariamente no lugar onde há vínculos construídos, se encontra essa brecha, essa ruptura e porosidade ao qual eu procuro. Nesses locais, podendo se dar de forma totalmente oposta. O espaço da rua pode ser muito mais transgressor nesse sentido. Como também pode não ser.     
Pina Bausch em seus trabalhos colocava o foco no movimento dos pedestres, observando as relações humanas básicas, utilizando do vocabulário de movimento cotidiano. Usará como forma de contestação de uma artificialidade representacional no palco.
Aqui utilizarei o gesto cotidiano também como forma de contestação de uma artificialidade, essa artificialidade que se apresenta na representação do sujeito no cotidiano. Diante de seus papeis sociais, da representação que ele faz socialmente, desse papel que o sujeito o próprio incorporou. De que o corpo é a matriz de significados, e ele sempre representará algo. E sempre se esperará que o sujeito cumpra o que lhe é designado.  

segunda-feira, 6 de julho de 2015


Danças do instante 


Quanto que dura uma dança aos olhos de quem passa por ela?
A dança se torna algo poético e efêmero em meio da multidão, em que instante termina e em que instante começa as danças de instantes?
Sua participação no coletivo é tão efêmera quanto é a si própria. Ela (a dança) tem um apelo por si só a liberdade. 
Diria até que o corpo naquele momento se torna um manifesto poético a liberdade. 
Poderia ser dialogado, o que é liberdade de fato, se ela existe, e se existe onde a encontramos? 
Em quais pequenos momentos encontramos a nossa liberdade no cotidiano, e quando encontramos somos livres para exerce-la?
“O uso do corpo com liberdade é de fato um sinal de caráter revolucionário”.

 Será que apenas uma ação agressiva ou feita em um grande número de pessoas, ou uma ação espetacularizada vai tirar as pessoas deste estado de coma profundo.
Andre Lepecki menciona em seu texto coreopolítica e coreopolicia, que a coreopolicia vem para policiar a coreografia do urbano, que o espaço urbano não é um espaço que também é de circulação, mas apenas de circulação.
Menciona também que a dança é um ato político por si só, não necessita estar agregada de algum discurso para ser político, e apesar da minha ação estar carregada de um discurso político, a minha dança se perpetua no urbano por si só.

 Querendo iniciar uma discussão ainda mais subjetiva e em relação do comportamento do sujeito na urbe, nos espaços de liberdade, se há espaços de liberdade do individuo. Liberdade de transitar, de permanecer, de gestualidade.
E entrando nessa mesma relação de coreopolícia. Quem além da policia irá “policiar” suas ações dentro do coletivo. Quando a polícia não se está presente quem faz o papel dela? De que forma exerce esse policiar? Cada um policia a si próprio(a).

 Eu apenas danço seguindo a minha própria coreografia, das minhas experiências, do meu contexto social intrínseca no meu gestual e a coreografia que vem do chão, aquela que o próprio espaço me propõe.
Durante a dança eu observo a cidade de um ponto de vista totalmente diferente. As vezes tiro inspiração para minha dança em um novo olhar que surge perante a cidade, em apenas olhar um ponto da cidade de uma forma que nunca tinha observado antes, e esse novo olhar/instante é fomento para minha dança, como um coreografia que vem do chão (do lugar) e traz um outro contexto ao meu movimento.

Eu posso pensar qual a relação que eu causo ao outro, se há alguma interrupção nesse ritual engessado de passagem.
Eu diria que a interrupção é quase nenhuma, apenas alguns momentos muito breves, são poucos os segundos que alguém finca os pés no chão e interrompe esse fluxo de passagem. E este momento é extremamente valioso. Porque ele é raro, é breve, e depois a pessoa retorna ao fluxo novamente, pela razão de que seus compromissos pedem que retorne, ou também porque a própria urbe impõe. 
A urbe não se carateriza como um lugar de estar e sim de passagem.
A recepção da dança está no mesmo parâmetro com a percepção cotidiana do sujeito na urbe.
O sujeito com sua subjetividade também não existe na urbe.
As pessoas não se percebem, elas enxergam umas as outras em frações de três segundos.
Aí que se da a reflexão da minha dança, de que não diferente a qualquer outro sujeito na urbe, a dança é “percebida” em um momento extremamente excepcional. É enxergada por alguns momentos por uma fração de três segundos, e em outros momentos mais duradouros. E “percebida” mesma, somente nestes pequenos momentos excepcionais. 

 Será que dentro dessa ideia de recepção dentro do comportamento habitual das pessoas também está condicionado o não olhar.
Fazendo a ação num espaço que era um encontro entre duas escadas as pessoas eram obrigadas a olharem para mim, porque eu estava em meio a sua passagem. Era um ritmo em que hora as pessoas se aproximavam se mim, e hora se distanciavam, e num desses momentos passou um homem por mim como se nada estivesse acontecendo, não olhou, e quando ele se afastou ele virou de costas parou e olhou para mim. Porque ele foi olhar somante quando já estava distante, seria o olhar próximo invasivo, no sentido de ele se sentir intimidado em olhar?
O não olhar não incomoda, aí eu entro no mesmo diálogo entre o comportamento das pessoas umas com as outras no cotidiano.
As pessoas não se olham umas as outras nos olhos, porque o olhar é muito intrusivo e revelador. 

domingo, 5 de julho de 2015


Primeira Experimentação

Em frente a catedral, antes de começar a dançar criei um ritual de primeiro começar a me alongar, porque sinto dificuldade em me concentrar. Comecei me alongando e naturalmente dando espaço a minha dança.
Percebendo que só o fato de me alongar, já causava um estranhamento nas pessoas que passavam.
De inicio eu posso relatar que passei pela sensação de me sentir insegura e reprimida, mas não por alguém que estava me reprimindo, mas um sentimento que vinha de mim mesma.
Sinto que se eu quero quebrar os paradigmas sociais de gestualidade e liberdade, eu devo antes de qualquer coisa começar isso em mim, porque como uma pessoa inserida nessa realidade também sou influenciada por ela, e a reproduzo o tempo todo. Como é difícil eu me libertar para fazer as coisas que eu quero, sem me preocupar com os outros.


Estes dois pontos que coloquei inicialmente se repetiram ao longo das outras danças.
O ponto principal da dança era quando eu conseguia de libertar de tudo isso e me divertia, como em uma brincadeira. Que eu danço e brinco o lugar. Tocava o chão, sentia o áspero do concreto o duro e totalmente impermeável dos degraus, quais eram as qualidade que eu poderia explorar naquele espaço. Em alguns momentos a criança que existe em mim surgia para experimentar aquele espaço, em outras ela se sentia reprimida, seguindo nesse duplo jogo. Entre liberdade e repressão.

Minha experimentação buscava a fragmentação, o movimento fluido, o liquido do corpo.
Olhava em volta em alguns momentos e constatava a diferença da minha arquitetura, que contrasta fortemente com aquela que estava ao meu redor. Talvez eu pudesse buscar exatamente o contraste, e colocar ali, na urbe, tudo que vai contra esse estado rígido, esse corpo que não se adere a essa atmosfera.
Criando uma qualidade de movimento que se coloca contra/inversa a aquela que o espaço me proporciona. Um movimento mais liquido. O liquido no concreto.
De qualquer forma, qualquer movimentação que foge desta gestualidade enrijecida, já se posiciona contra ao fluxo cotidiano.

Já pensando na recepção, eu era pouco percebida, não cheguei a gerar nenhum impacto ou qualquer interrupção aparente, tudo permaneceu o mesmo. Não interrompia o fluxo, algumas pessoas nem me viam, outras olhavam de forma breve. Um grupo de pessoas que estavam atrás de mim sentiram minha falta alguns minutos depois que eu sai, se perguntaram - Você viu pra onde foi a moça? Não vi ela sair.
Houve uma moça que veio parando e me observando e ficou parada na minha frente apenas observando a minha dança, atenciosamente. Uma outra moça antes de atravessar a faixa de pedestres parou e olhou um pouco.

sábado, 20 de junho de 2015


 Danças urbanas ou danças de instantes

Dançar o espaço? O que está além o dançar no espaço? A vontade de quebrar a rotina já repetida incansavelmente neste espaço? Um ir e vir proposital sempre com o mesmo determinado proposito de se locomover de um lugar ao outro. Utilizando de um mesmo gestual regrado e funcional. O movimento dos nossos corpos no espaço urbano sempre tem um proposito funcional, trajeto retilíneo de chegar de um lugar ao outro. Quando eu crio uma relação diferente de tempo, de corpo, eu modifico este local no tempo presente, mas também modifico para aquelas pessoas que transitam naquele espaço. Eu altero a sua lógica de interação.  Mas não é somente sobre isso que quero dialogar na minha proposta, ela também tem um caráter de luta contra uma opressão diária que vivenciamos e somos condicionad@s diariamente em nossos corpos.

O uso do corpo com liberdade, quando podemos exercer este livre uso do nosso corpo, dos nossos gestos com a devida liberdade?

Quando, onde, e em qual determinada situação? - Sempre nos condicionamos a estas três regras. Somos levados a pensar em determinados espaços para determinadas ações.

Criamos uma partitura de movimentos socialmente aceitável. Uma partitura de movimentos para cada determinado espaço. Entrar no ônibus, subir os degraus, pagar a passagem, se sentar, tudo numa certa convenção gestual. Convenção de agir que todas as pessoas repetem incansavelmente no seu dia-a-dia. Há uma forma de se sentar ao banco, de agir e locomover neste espaço, não há espaço para um outro gestual. Esse gestual já estabelecido cumpre a sua função necessária dentro desta mesma de se locomover. “Aqui a sociedade é feita de grupos aprisionados a modos específicos  de fazeres, a lugares onde esses fazeres são exercitados e a modos de ser que correspondem duplamente a esses afazeres e a esses lugares. Neste encaixe de funções, lugares e modos de ser, não lugar algum para qualquer vazio.”¹

Mas será que se eu no instante que eu quiser me locomover de uma forma totalmente não convencional, se eu quiser dançar este espaço ao contrário de simplesmente me locomover, isso seria visto com “bons olhos”? Seria visto como eu exercendo minha liberdade de se expressar?
Qual é a visão do outro quando entra em contato com “esta estranheza”, com o incomum? Ele aceita ou rejeita, ou apenas rejeita tudo que não está dentro do comum, da convenção, do aceitável. A intenção também é de investigar essa aceitação e não aceitação do público, no intuito de uma pesquisa de como isso interfere no cotidiano. Na vontade de “Perturbar a formatação cega de gestos, hábitos e percepções”².
Pensei em registrar essas interferências, essas reações do público de algumas formas.
Para não interferir na reação de quem vê, será utilizada uma câmera que estará camuflada por uma pessoa. Está pessoa também ficará no local após a intervenção para tentar absorver as reações posteriores dos transeuntes que estavam ali.